Sobre prostituição, moral, classe e propaganda — Prostitutas em revolta: a luta pelos direitos das trabalhadoras sexuais, Molly Smith e Juno Mac

gaia jutz
4 min readJun 27, 2022

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Trecho traduzido de “Revolting Prostitutes: The Fight for Sex Workers’ Rights” de Molly Smith e Juno Mac, publicado em 2018. p. 27–29.

O ódio por trabalhadoras sexuais está enraizado em ideias muito velhas e misóginas sobre o sexo. Entender essas respostas viscerais de nojo é um ponto de partida para entender todo tipo de coisa sobre prostituição — incluindo o código penal.

O sexo é ruim?

As pessoas estão preocupadas com a dimensão sexual do trabalho sexual. Essas ansiedades se manifestam em ideias de degradação do corpo e a ameaça de que trabalhadoras do sexo são vetores de tal degradação. A prostituta é vista como um propagador de doenças, associada com putrefação e morte. Nós somos concebidas como (…) uma fonte de contaminação e doença². Puta, a palavra espanhola para prostituta, tem relação com a palavra em inglês putrid (pútrido). Outra preocupação sustenta que fazer sexo (ou fazer sexo de forma errada — demais, com a pessoa errada ou pelo motivo errado) traz um tipo de perda. Frequentemente, ideias contraditórias sobre o sexo e essas ameaças viscerais ou perdas estão entrelaçadas em representações culturais da trabalhadora do sexo — formando uma figura que Melissa Gira Grant nomeia como “prostituta imaginária”.³

Às vezes a conexão entre essas ideias é óbvia. Para os vitorianos, “perder a virgindade” trazia o risco (…) de uma morte sombria por sífilis. A mulher desvirginada é reconfigurada como uma agente de destruição, espalhando doenças em sua vigília. (…) Em 1870, por exemplo, o jornalista William Acton escreveu que as prostitutas são “ministras de paixões malignas, que não apenas satisfazem o desejo, mas também o despertam e sugerem maus pensamentos e desejos que de outra forma poderiam permanecer subdesenvolvidos”.⁴

Em “The Whore’s Last Shift” (O último turno da prostituta), uma pintura de 1779 de James Gillway, a figura trágica de uma mulher nua com maquiagem pesada e cabelo empilhado fica ao lado de um penico quebrado em um quarto sujo, lavando seu imundo — e desajeitadamente simbólico — vestido branco à mão.

As atitudes em relação ao imaginário da prostituta podem ser lidas no contexto do paradoxo mais familiar em torno de uma parte específica do corpo. Feia, esticada, odorífera, impura, potencialmente infectada, desejável, misteriosa, tentadora — a ambivalência do patriarcado em relação às vaginas está bem estabelecida e tem muito em comum com as atitudes em torno do trabalho sexual. Por um lado, a sedução da vagina é uma ameaça; é vista como um lugar onde um pênis pode correr o risco de encontrar vestígios de outro homem ou uma arcada dentária completa. Ao mesmo tempo, ela é vista como uma parte do corpo inerentemente submissa que deve ser “arrombada” para aflorar a maturidade sexual. A ideia da vagina como fundamentalmente comprometida ou digna de pena é endossada em partes por uma percepção feminista sustentada há tempos de que o ato sexual penetrativo é um indicativo de subjugação.⁵

O Ato de Doenças Contagiosas do século XIX deu para a polícia o poder de sujeitar qualquer mulher suspeita de ser prostituta a um exame pélvico forçado com um espéculo — um objeto usado até os dias atuais, inventado pelo doutor que fundou o repelente de contato ginecológico, e que comprou negras escravizadas para fazer experimentos.⁶ Em Londres no ano de 1893, Cesare Lombroso estudou os corpos de mulheres de “classes perigosas”, na maioria prostitutas e outras mulheres proletárias, e mulheres racializadas, sendo todas descritas por ele como “primitivas”. Ele argumentou que prostitutas experimentavam aumento do crescimento de pelos pubianos, hipertrofia do clitóris e distensão permanente dos lábios e vagina, claramente crendo que suas ações não naturais e seus corpos não naturais eram dois lados da mesma moeda.⁷ Para ele, a degradação moral e social que elas representavam tornou-se legível em seus corpos físicos.

Um romance da década de 1880 descreve uma trabalhadora do sexo como “uma pá cheia de carne pútrida”, seguindo: “era como se o veneno que ela havia captado nos gases das carcaças deixadas à beira da estrada, que fermentavam — com o qual ela envenenara todo um povo — subira-lhe ao rosto e o apodrecera.”⁸ O corpo da prostituta está aí para machucar inocentes: ela está “carregando contaminação e impureza por todo canto”, onde “ela rasteja… sem tomar precauções… e envenena metade dos jovens”⁹.

Durante a Segunda Guerra Mundial, a prostituta cheia de doenças era imaginada como a arma biológica secreta do inimigo. Cartazes a retratavam como uma femme fatale arquetípica — com um cigarro entre os lábios vermelhos, um vestido justo e um sorriso malicioso — acima de slogans alertando que ela e outros pickups eram perigosos: traps (“armadilha”, termo pejorativo em inglês), armas carregadas, juke joint snipers, Agentes do Eixo, inimigos das forças aliadas e amigos de Hitler.¹⁰

“Agentes do Eixo: um brinde à Hitler e Hirohito”. Cartaz da década de 1940.

As referências estão todas listadas aqui.

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Written by gaia jutz

gaia é terra, mas eu também sou tempestade. feminista classista, escrevo e traduzo sobre gênero e ficção. curitiba/pr.

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